Lançado em 1992, Caboclo D'Água é uma joia instrumental do violeiro e compositor mineiro Tavinho Moura, artista multifacetado cuja obra transcende fronteiras entre o regional e o universal. Com uma carreira ligada ao Clube da Esquina e à tradição folclórica mineira, Tavinho constrói neste álbum uma narrativa sonora profundamente enraizada na cultura brasileira, onde a viola caipira assume o papel de protagonista em paisagens musicais que evocam rios, serras e lendas do imaginário popular.
Diferente de muitos discos do gênero, Caboclo D'Água é todo feito com a afinação Rio Abaixo e é dividido em 12 faixas que mesclam diferentes matrizes rítmicas, com arranjos elaborados e uma sensibilidade melódica rara. A faixa-título, "Caboclo D'Água", refere-se a uma figura mitológica dos rios brasileiros e captura a essência lúdica e misteriosa do folclore, enquanto "Encontro Das Águas" (tema recorrente na obra de Tavinho) remete à confluência de tradições e influências que marcam sua música. Além disso, essa faixa foi composta na região da Barra do Guaicuí (MG) numa pescaria ao lado de Almir Sater (que gravou a música num disco também instrumental, lançado anos antes de “Caboclo d’Água”). Outros destaques incluem "Mineiro Pau", com seu ritmo contagiante, e "Noites Do Sertão", uma parceria com Milton Nascimento que já existia e ganhou uma versão instrumental que homenageia a vastidão e a poética noturna do interior.
É impossível mencionar a viola do Tavinho Moura sem associá-la ao violão do Beto Lopes, que também está nesse álbum. Possivelmente uma das fusões musicais mais bonitas da história, no qual viola e violão tecem uma trama polifônica inseparável, a ponto de ser difícil distinguir aonde começa um instrumento e termina o outro.
Tavinho Moura, também conhecido por suas trilhas para cinema e colaborações com nomes como Milton Nascimento, demonstra aqui sua maestria como compositor e instrumentista. Sua viola não apenas acompanha, mas conta histórias – seja através de harmonias complexas, seja em melodias que parecem dialogar com a natureza. O álbum é um convite à imersão em um Brasil profundo, onde a música instrumental serve como ponte entre o passado e o presente.
O disco nasceu a partir da iniciativa de uma extinta companhia aérea da Bolívia que queria produzir um brinde para seus clientes com uma mostra da cultura regional brasileira, como nos conta o jornalista Lucas Ferraz em seu belo post sobre o tema. Caboclo D'Água nasceu meio sem querer e é hoje um item de culto para colecionadores e amantes da viola caipira. Sua influência pode ser percebida em trabalhos posteriores, como esse arranjo da Orquestra Filarmônica de Violas (Thiago Rossi / Anderson Baptista) que também exploram a fusão entre linguagens tradicionais e contemporâneas.
capa definitiva, um desenho do líder indígena Ailton Krenak, o “pai da água”.
Segundo o relato de Ferraz, Tavinho entrou no famoso estúdio Bemol de Belo Horizonte com apenas quatro músicas prontas. Nos dias seguintes, enquanto ia produzindo essas faixas, compôs as outras onze, completando assim as quinze faixas do álbum.
Para quem busca descobrir as múltiplas camadas da música instrumental brasileira, este disco é essencial. Tavinho Moura nos lembra que a viola é muito mais que um instrumento regional: é um símbolo de resistência cultural e criatividade artística.
🎵 Para ouvir: O álbum está disponível em plataformas como Discogs e YouTube, embora sua presença digital ainda seja discreta. Uma busca valiosa para os apreciadores de música de raiz!
Ficha Técnica (com base nas informações disponíveis):
Artista: Tavinho Moura (Otávio Augusto Pinto de Moura)
Álbum: Caboclo D'Água
Lançamento: 1993
Formato: Vinil (original) | CD
Faixas: 15 instrumentais
Selo: Inicialmente produção independente, depois lançado pela extinta Gravadora Velas