Há trabalhos que se propõem a ser mais do que álbuns: “Terra D’Água”, segundo disco autoral de Jackson Ricarte, é desses que reúnem passado, presente e futuro da música de raiz brasileira, celebrando vinte anos de uma carreira dedicada à viola, ao pertencimento, à poesia rural e à dor e à beleza de ser brasileiro profundo.
O Caminho de Jackson: Da Terra Seca ao Encontro com as Águas
Natural de Senador Pompeu, Ceará, Jackson Ricarte migrou há décadas para São Paulo, levando consigo o sotaque das águas do sertão e o pulsar da viola nordestina. Estudou na ULM (Universidade Livre de Música) atual EMESP Tom Jobim com mestres do instrumento, como Rui Torneze e João Paulo Amaral, e moldou sua trajetória como solista da Orquestra Paulistana de Viola Caipira – experiências que cruzaram o saber popular e o rigor musical. Ao longo dos anos, Jackson se tornou referência, ajudando a reger – ao lado de Ivan Vilela – a Orquestra de Viola Caipira de São José dos Campos, e colecionando participações em festivais, espetáculos e gravações junto aos maiores nomes do instrumento.
“Terra D’Água” marca o ciclo de duas décadas de estrada. Reúne 12 faixas inéditas, entre canções e instrumentais, cada uma conectando o som ancestral da viola caipira com as folias de reis, os povos originários, as espiritualidades brasileiras e as reflexões sobre o mundo moderno.
Poética da Viola: Manifesto em Tempos de Desconexão
Mais do que celebração, o disco é manifesto: um reencontro com as raízes e um convite à escuta sensível num tempo marcado pela desconexão. Cada acorde reafirma o compromisso de Jackson Ricarte com a renovação da linguagem sertaneja e a valorização dos repertórios populares.
Nas faixas, vemos uma viola que versa sobre espiritualidade (“Fé Sincera, Devoção”), que homenageia lendas como Helena Meirelles (“Dama Helena”), que se faz arma e oração (“Viola Fala a Verdade”), e que denuncia o mundo revirado pela ambição desenfreada (“O Mundo Tá Revirado”). O instrumental “Ponteio Chorado” expõe o toque refinado de Jackson, mergulhando entre melodias do sertão profundo e dinâmicas contemporâneas da viola.
Colaborações e Encontros Musicais
“Terra D’Água” é tecido coletivo: o disco reúne parcerias com violeiros, cantores e músicos como Rodrigo Zanc, Rafael Schimidt, Milton Araújo, Bruno Sanches, Luiz Salgado, Ricardo Vignini, Pedro Macedo, Ademar Farinha, André Rass e muitos outros — todos trazendo a própria água para irrigar o solo criativo do álbum.
O repertório leva ao ouvinte, faixa a faixa, o convite para percorrer matas, quintais, fontes e rios interioranos, ressoando o desejo de cura, pertencimento e resistência. São musicalidades mineradas do coração brasileiro, em arranjos que evocam as festas populares e a espiritualidade do povo da terra e da água.
Produção Independente e Reconhecimento
Produzido de forma colaborativa, através de financiamento coletivo, o álbum reflete não só a força do artista mas de uma rede de apoiadores que acreditam na cultura de raiz e na preservação dos saberes locais. Premiado em 2025 com o Prêmio Inezita Barroso pela trajetória cultural, Jackson reafirma seu papel como renovador e guardião da tradição violeira.
Terra D’Água: O Brasil que Insiste em Florescer
Se “Sete Brasis, Sete Violas” toca a diversidade dos territórios e timbres do Brasil profundo, “Terra D’Água” amplia esse universo, invocando as forças da terra e do fluxo que move a cultura popular. Aqui, cada acorde é cura e oração, cada verso é denúncia e esperança, cada faixa é semente e rio correndo para transformar quem escuta.
Jackson Ricarte e sua viola nos lembram que, mesmo em tempos de aridez, o Brasil profundo é capaz de se reinventar — pela força das águas, das raízes e das mãos que criam beleza onde antes havia somente seca. Que “Terra D’Água” seja, para todos, caminho de pertencimento, encontro e celebração.
Ficha técnica – Terra D'Água (Jackson Ricarte):
Produção: Jackson Ricarte
Direção musical: Jackson Ricarte e Ricardo Vignini
Gravação, mixagem e masterização: Ricardo Vignini (Estúdio Bojo Elétrico)
Capa: Ilustração de Rosana Valim
Arte final e concepção: Aline Valim
Finalização gráfica e encarte digital: Yuri Garfunkel
Música e voz principal: Jackson Ricarte (viola caipira e voz)
Participações musicais: Pedro Macedo (baixo acústico), André Rass (percussão), Rodrigo Zanc (voz), Rafael Schimidt (violão 7 cordas), Bruno Sanches (voz e viola caipira), Luiz Salgado (voz), Milton Araújo (baixolão), Adriano Magoo (acordeão), Ricardo Vignini (U-Bass e violão), Ademar Farinha (zampoña, quenacho e quena)
Financiamento: coletivo/crowdfunding
Projeto realizado com apoio dos artistas visuais e musicais participantes.
Fontes consultadas: Com base nas informações fornecidas pelo artista, do encarte, release e busca complementar, o texto conecta todos os elementos artísticos, históricos e participativos do projeto.