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O PIB da Música no Brasil: Uma Potência Criativa em Busca de Equilíbrio

A 9ª maior indústria musical do mundo ainda precisa de muitos ajustes
21 de novembro de 2025 por
O PIB da Música no Brasil: Uma Potência Criativa em Busca de Equilíbrio
Vinícius Muniz
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ANAFIMA publica el PIB de la música en Brasil (Crédito: Reproducción)

Com um faturamento de R$ 116,06 bilhões em 2024, a música no Brasil consolidou-se como a 9ª maior potência musical do mundo, segundo o relatório de PIB da Música divulgado pela ANAFIMA (Associação Nacional da Indústria da Música) em setembro de 2025. O levantamento representa a primeira vez que a indústria reúne dados completos sobre toda a sua cadeia produtiva, oferecendo um "raio X do setor" que se torna referência para artistas, produtores e formuladores de políticas públicas.​

A Hegemonia da Música Ao Vivo

O setor de música ao vivo foi responsável pela maior parte deste expressivo montante, movimentando R$ 94 bilhões em 2024, o equivalente a 81% do PIB setorial total. A ANAFIMA estima que o país tenha registrado mais de 100 mil datas de eventos musicais, com um ticket médio de R$ 432.​

A distribuição de preços revela uma clara polarização no mercado: enquanto festivais regionais e eventos independentes cobram ingressos entre R$ 30 e R$ 250, megaeventos praticam valores que variam de R$ 795 a R$ 1.100 na pista, com áreas premium ultrapassando R$ 3.000. Os grandes eventos deixam números impressionantes. O Carnaval do Rio gerou R$ 5 bilhões, seguido pelo Carnaval de Minas Gerais (R$ 4,7 bilhões), Carnaval de São Paulo (R$ 3,4 bilhões) e Carnaval de Salvador (R$ 2 bilhões). Entre os shows internacionais, a apresentação de Madonna em Copacabana atraiu 1,6 milhão de pessoas e gerou até R$ 469 milhões, enquanto o Lollapalooza Brasil alcançou até R$ 500 milhões.​

O Streaming Redefine as Receitas Fonográficas

O mercado fonográfico brasileiro registrou faturamento de R$ 3,486 bilhões em 2024, representando um crescimento de 21,7% em relação a 2023. O streaming domina de forma absoluta, respondendo por 87,6% da receita total, com assinaturas gerando R$ 2,077 bilhões (68% do total) e publicidade em áudio e vídeo somando R$ 978 milhões.​

Particularmente relevante é a soberania cultural brasileira no streaming: 93,5% das 200 músicas mais ouvidas no país em 2024 foram produções nacionais, e 84% do Top 50 diário do Spotify Brasil são de artistas brasileiros. O Spotify mantém liderança absoluta no mercado de assinaturas com 60,7% de participação.​

A Vitória dos Artistas Independentes

Um dado fundamental para entender a transformação do mercado musical brasileiro é a força dos artistas independentes. Mais de 70% da receita gerada pelos artistas brasileiros no Spotify provém de artistas independentes ou selos alternativos. Em 2024, os artistas brasileiros faturaram mais de R$ 1,6 bilhão apenas no Spotify, representando um crescimento de 31% em relação a 2023.​

No contexto mais amplo, segundo dados da Luminate apresentados na Indie Week, artistas e selos independentes já respondem por 35% do consumo total de música nos Estados Unidos até maio de 2025, com participação ainda maior em gêneros específicos como country, ritmos latinos, jazz e dance/EDM, que ultrapassam 39% de participação. No Brasil, esse fenômeno é ainda mais pronunciado, especialmente em gêneros como piseiro, arrocha e brega funk, que circulam por plataformas como Sua Música, Palco MP3 e TikTok sem intermédio de gravadoras majors.​

O Protagonismo do Sertanejo e Suas Particularidades

A música sertaneja permanece como força dominante no mercado musical brasileiro. Em 2024, o sertanejo foi o gênero musical favorito em 15 das 27 capitais brasileiras, tendo sido citado por mais de um terço dos entrevistados (34%) entre seus três ritmos prediletos. Nas rádios, o gênero mantém liderança absoluta: segundo monitoramento da Crowley, "Relação Errada" (Gusttavo Lima) liderou as músicas mais tocadas em 2024.​

No entanto, dados do Spotify revelam uma realidade mais nuançada: o sertanejo é mais escutado por pessoas com mais de 25 anos, enquanto o público entre 13 e 24 anos prefere funk, trap e hip-hop. Essa dinâmica aponta para um possível envelhecimento do público sertanejo, diferente de suas glórias dos anos 2000, quando o gênero conquistava todas as faixas etárias.​

Embora o relatório ANAFIMA não desagregue especificamente dados sobre gêneros musicais, a força combinada de dados de streaming e rádio mostra que o sertanejo movimenta cifras consideráveis dentro do PIB musical, particularmente no segmento de música ao vivo, onde festivais, rodeios e eventos agropecuários impulsionam a carreira de artistas do gênero.​

Viola Caipira e Música Tradicional: Uma Presença Menos Visível nos Dados

Apesar da importância cultural da viola caipira e da música caipira tradicional no cenário musical brasileiro, o relatório ANAFIMA não fornece desagregação específica para estes gêneros. A viola caipira, considerada patrimônio cultural imaterial com forte identificação na região centro-sul do Brasil, particularmente em São Paulo, permanece como uma tradição viva mas pouco representada nos dados de PIB consolidados.​

A ausência de dados específicos não significa ausência de valor econômico, mas antes revela uma lacuna na coleta de informações sobre segmentos mais tradicionais. Como pontua Daniel Neves, presidente da ANAFIMA, essa é a primeira vez que a indústria busca mapear completamente sua cadeia produtiva. Futuras edições do relatório poderão incluir maior detalhamento sobre gêneros e tradições musicais específicas.​

Direitos Autorais em Novo Patamar

A arrecadação de direitos autorais pelo ECAD atingiu R$ 1,8 bilhão em 2024, um aumento de 12% em relação a 2023. Do total, R$ 1,5 bilhão foi distribuído a mais de 345 mil titulares. A divisão segue o padrão legal: 78% para compositores e editores e 22% para intérpretes, músicos executantes e produtores fonográficos.​

Um desenvolvimento significativo é que pela primeira vez, os serviços digitais se tornaram a principal fonte de arrecadação de direitos, respondendo por 26% do total, superando rádio, TV e eventos. O número de apresentações licenciadas também cresceu: foram registradas 70 mil shows e festivais em 2024, 11% a mais que no ano anterior.​

A Estrutura Empresarial: Fragmentação e Desigualdade Regional

O ecossistema empresarial da música no Brasil é formado por 19.530 CNPJs, sendo 88,4% microempresas e 47,3% operando como MEI. Essa fragmentação, embora indique formalização crescente do setor, também aponta para limitações estruturais: 53% das empresas concentram-se no Sudeste, com destaque para São Paulo, que sozinho reúne 30,1%.​

Esta concentração regional acentua desigualdades econômicas. O Nordeste responde por 17,2% das empresas, o Sul por 17,4%, o Centro-Oeste por 8,6% e o Norte por apenas 4%. Daniel Neves, presidente da ANAFIMA, questiona essa realidade: "O mapeamento de 19.530 empresas indica estrutura fragmentada, com 47,3% operando como MEI, o que ampla formalização, mas impõe limites de escala e proteção social".​

Em 2024, o setor empregou formalmente 13,3 mil trabalhadores, com saldo positivo de 1.618 vagas. A produção musical e sonorização foram responsáveis por 40% das novas contratações. Estima-se ainda que o ensino de música empregue mais de 50 mil profissionais, somando redes formais e atividades complementares. A disparidade de gênero persiste: 64,4% das admissões foram de homens e 35,6% de mulheres.​

A Dependência Externa de Equipamentos

Um dos gargalos mais críticos apontados pelo relatório é a dependência de importações: o setor de áudio e instrumentos movimentou R$ 14,6 bilhões em 2024, mas 99,1% do valor transacionado refere-se a produtos importados. As importações chegaram a US$ 577 milhões, contra exportações de apenas US$ 10,4 milhões, gerando déficit de US$ 566,6 milhões.​

Esta realidade tem implicações diretas no bolso do músico: o brasileiro paga, em média, o dobro do que um consumidor nos EUA ou na Europa pelos mesmos equipamentos. A China respondeu por 67,8% das compras, e o Porto de Santos concentrou mais da metade das operações de entrada. Neves defende urgência em políticas públicas: "O Brasil é potência criativa e de consumo musical, mas precisa transformar esse peso cultural em desenvolvimento econômico sustentável e menos dependente do mercado externo".​

Música e Religião como Vetor Econômico

A música religiosa também se destaca como setor econômico significativo. O Brasil conta com quase 580 mil templos, que sustentam uma demanda contínua por instrumentos e sonorização. Igrejas evangélicas e católicas lideram em termos de formação de músicos e produção fonográfica, mostrando a força do gospel como um dos vetores de crescimento da indústria.​

Perspectivas Futuro: Crescimento e Transformação

Os dados da ANAFIMA indicam que a música no Brasil segue em ritmo de expansão acelerada. O crescimento de 31% no número de eventos em 2025 (até agosto, em comparação com o mesmo período de 2024) evidencia dinamismo contínuo. A consolidação do streaming e o aumento da arrecadação de direitos autorais revelam um setor em transformação profunda.​

No entanto, Neves aponta que sem coordenação institucional, o crescimento pode não se traduzir em desenvolvimento econômico equitativo. Ele sugere como "necessidade de governança" a criação da Agência Nacional da Música (AGEMUS), com mandato para regulação inteligente, fomento orientado a resultados e inteligência de mercado. "O setor tem condições de gerar impacto econômico adicional quando políticas forem ancoradas em métricas e transparência metodológica", analisa.​

Conclusão: Potência Criativa em Busca de Equilíbrio

O PIB de R$ 116,06 bilhões da música brasileira em 2024 consolida o país como força criativa global. A dominância da música ao vivo, o crescimento vertiginoso do streaming, a emergência dos artistas independentes e a soberania cultural brasileira no consumo digital pintam um cenário de vitalidade econômica. Simultaneamente, a concentração regional, a dependência de importações e a fragmentação empresarial apontam para desafios estruturais que demandam atenção de formuladores de políticas públicas.

Como observa o próprio setor, a transformação desse peso cultural em desenvolvimento econômico sustentável é o grande desafio dos próximos anos. A criação de dados mais desagregados sobre gêneros específicos, como o sertanejo e a música caipira tradicional, será fundamental para uma compreensão ainda mais profunda do ecossistema musical brasileiro e para orientar investimentos e políticas públicas mais precisas e equitativas.

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