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A Despedida de um Gênio: Hermeto Pascoal e a Universalidade da Música Brasileira

Viva a música, bendita música. Viva Hermeto Pascoal, sempre!
13 de setembro de 2025 por
A Despedida de um Gênio: Hermeto Pascoal e a Universalidade da Música Brasileira
Vinícius Muniz
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No último dia 13 de setembro de 2025, a música brasileira perdeu uma de suas figuras mais singulares e revolucionárias. Hermeto Pascoal, conhecido como "O Campeão", morreu aos 89 anos no Rio de Janeiro, vítima de complicações decorrentes de fibrose pulmonar avançada, deixando um legado inigualável que transcende fronteiras e gêneros musicais.​

Um Caminho que Começou no Nordeste

Nascido em 22 de junho de 1936, no distrito de Lagoa da Canoa, então pertencente a Arapiraca, Alagoas, Hermeto Pascoal construiu sua genialidade a partir das raízes mais profundas da cultura brasileira. Sua condição de albino, que o protegia do trabalho no sol escaldante do agreste, permitiu que desde criança mergulhasse no universo sonoro que o cercava - os sons da natureza, dos animais, das águas, do vento e dos instrumentos tradicionais nordestinos.​

O primeiro instrumento de Hermeto foi uma sanfona de oito baixos herdada do pai, Seu Pascoal, reconhecido sanfoneiro da região. Aos sete ou oito anos, junto com o irmão José Neto, já demonstrava uma musicalidade extraordinária, tocando em forrós e festas de casamento, sempre com um toque peculiar que intrigava os vizinhos. Como relembrava um conhecido da família: "Seu Pascoal, não sei, sabe, o 'Sinhô' é doido... Ele tá tocando uma música, tá tão bonita, de repente ele faz um negócio lá que a gente não entende".​

A Revolução do Quarteto Novo

Em 1966, Hermeto integrou o Quarteto Novo ao lado de Heraldo do Monte (guitarra), Theo de Barros (baixo) e Airto Moreira (bateria), grupo que se tornaria um marco na história da música instrumental brasileira. Este conjunto revolucionário aproximou a música nordestina do jazz de forma inédita, criando uma sonoridade refinada que modernizou o baião e outros ritmos regionais, projetando-os internacionalmente.​

Heraldo do Monte, guitarrista pernambucano nascido em 1935, foi peça fundamental dessa formação. Além de dominar a guitarra, o violonista também tocava cavaquinho, viola e contrabajo, colaborando posteriormente com grandes nomes como Elis Regina, Gilberto Gil e Michel Legrand. O único álbum do Quarteto Novo, lançado em 1967, tornou-se lendário e influenciou gerações de músicos.


Hermeto e a Viola Caipira: Uma Conexão Profunda

Embora mais conhecido por sua maestria no piano, acordeão e flauta, Hermeto Pascoal também dominava a viola caipira, instrumento que representava mais uma ponte entre suas raízes nordestinas e a riqueza da música tradicional brasileira. Em projetos posteriores da carreira, especialmente em colaborações com Aline Morena a partir dos anos 2000, Hermeto incluía a viola caipira em seu arsenal instrumental, demonstrando sua compreensão da diversidade musical do país.​

Esta conexão com a viola revela um aspecto fundamental do gênio hermeteano: sua capacidade de transitar por todas as tradições musicais brasileiras sem perder sua identidade criativa. Como observa um especialista, "Hermeto foi o músico que melhor entendeu e soube absorver a diversidade que atravessa a imensidão do país, conseguindo transitar com maestria pelo frevo, samba, maracatu, baião, forró, choro, coco".​

A Importância para a Difusão dos Ritmos Brasileiros

A obra de Hermeto foi fundamental para levar os ritmos e matrizes da música brasileira ao cenário internacional. Seus trabalhos nos anos 1970 nos Estados Unidos, incluindo a participação no álbum "Live-Evil" de Miles Davis, abriram portas para que a música brasileira fosse reconhecida globalmente não apenas pela bossa nova, mas também pelas tradições nordestinas e caipiras.​

Hermeto sintetizava a profundidade da música brasileira ao ignorar divisões conceituais e genéricas. Sua formação vinha da música do agreste alagoano, mas sua visão universalizante permitiu que baião, xote, frevo e coco ganhassem novas dimensões e alçassem voo mundial. Como bem definiu um crítico: "dentro do país, há uma riqueza incrível de ritmos e gêneros a serem explorados, vividos e desenvolvidos".​

O Legado de "São Jorge"

Entre as composições mais celebradas de Hermeto Pascoal está "São Jorge", tema que ganhou vida nova através de diferentes arranjos e intérpretes. A Orquestra Filarmônica de Violas, idealizada pelo violeiro e produtor Ivan Vilela, gravou uma versão memorável da peça no álbum "Orquestra Filarmônica de Violas II", de 2010. O arranjo foi assinado por Almir Côrtes e contou com diversos violeiros renomados.​​

Paralelamente, o violeiro Gustavo Costa também desenvolveu sua própria interpretação de "São Jorge", contribuindo para a disseminação da obra hermeteana no universo da viola caipira. Estas versões demonstram como a música de Hermeto transcende instrumentações e formatos, adaptando-se naturalmente às diferentes tradições musicais brasileiras.





Uma Despedida à Altura do Gênio

Hermeto Pascoal partiu no exato momento em que sua banda, Nave Mãe, subia ao palco em Belo Horizonte para um show que ele não pôde realizar. Como expressou a família em nota oficial: "No exato momento da passagem, seu Grupo estava no palco, como ele gostaria: fazendo som e música".​

O velório foi realizado na Areninha Cultural Hermeto Pascoal, em Bangu, aberto ao público das 14h às 21h. Uma despedida à altura de quem dedicou 75 anos à música e recebeu três Grammy Latinos, deixando um repertório de aproximadamente 3.000 composições gravadas.​

A morte de Hermeto Pascoal marca o fim de uma era, mas seu legado permanece vivo em cada nota tocada pelos músicos que ele inspirou. Como ele mesmo ensinou, a música universal segue viva - no vento, no canto dos pássaros, no copo d'água, na cachoeira, e agora também na saudade eterna de um dos maiores gênios da música brasileira

Ouça e re-ouça o gênio sempre!


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